O princípe da excentricidade

Depois de uma traumática experiência em Itália, Mario Balotelli (Palermo, 12 de Agosto de 1990) recebia da sua mãe um colar com as palavras “profissionalismo, esforço e humildade” para que lhe dessem sorte na sua nova aventura em Inglaterra. Os três valores continuam pendentes na agenda do afro-italiano. Como agradecimento, Mario ofereceu á mãe um gato (“Vêem como sou um bom menino?”)

Mal aterrou em Terras de Sua Magestade dividiu logo a opinião pública, Ancellotti, então técnico do Chelsea foi claro “Não está muito bem da cabeça, mas com a contratação o City pode aspirar a ganhar a Liga”. O seu treinador foi mais simpático “Se trabalha bem, será uma das figuras da temporada. Está nas mãos dele”. Balotelli respondeu com golos e com pouca seriedade. “Não sei levar a vida a sério, é demasiada curta para ser um gajo sério”. Os seus cortes de cabelo extravagantes (look loiro oxigenado, rapado com caracteres chineses, uma crista ao estilo moicano), o seu gosto duvidoso na hora de vestir (gorro com forma de luva ou camisolas a incitar a violência), os acidentes e multas (mais de 10 mil libras gastos), os romances tórridos (modelos, cantoras e actrizes porno), a sua relação com os treinadores (“Mourinho é o melhor, mas tem que aprender a ser educado”), a fama de conflituoso (perguntem a Micah Richards) e o seu ego ilimitado (“Só há um futebolista um bocadinho melhor que eu, Messi, os outros não me chegam aos pés”) fazem com que seja amado ou odiado. Está sempre no meio da polémica e transmite uma imagem pouco agradável de si mesmo. Foge dos valores que a mãe lhe transmitiu e vive da fama que o futebol lhe proporciona. SuperMario não deixa ninguém indiferente. Recentemente, a Forbes dedicou-lhe um artigo onde dizia “o homem mais interessante do futebol, porque assegura golos e escândalos.”

Com apenas 2 anos, os seus pais Thomas e Rose Barwah, ficaram a saber que Mario não era um menino qualquer. Sofria de uma doença intestinal rara e uma infecção colocou a sua vida em risco. A família vivia na pobreza e não tinha recursos económicos para lutar contra a doença, isso levou-os a viajar para Itália. Brescia foi o destino escolhido, Mario recuperou milagrosamente da doença, no entanto a situação dos Barwah não melhorou e acabaram por entregar o pequeno Mario aos serviços sociais italianos na esperança de encontrar uma família de acolhimento que o cuidasse.

Francesco e Silvia ficaram com ele e puseram-lhe o apelido da família. No lar dos Balotelli teve acesso a uma boa educação, a um grupo de amigos e ao futebol, que se tornaria a sua paixão. Destacou-se logo aos 14 anos pela sua qualidade e pelo seu físico, no entanto a sua condição de emigrante fechou-lhe as portas da selecção italiana sub-15 e sub-17. Alguns anos depois, quando os seus pais biológicos apareceram, reclamando a custódia de Mario, foram rejeitados pelo filho que alegou que só estavam interessados no dinheiro que ele ganhava.

Liga dos Campeões contra o Barcelona: nos 15 minutos finais, perde duas ou três bolas de forma absurda e os adeptos interistas começam a insulta-lo, Balotelli responde- lhes e no fim do jogo atira a camisola do Inter para o chão. Este gesto fez Materazzi perder a cabeça, perseguiu-o até aos balneários com a intenção de o agredir.

Quando fez 18 anos, nacionalizou-se italiano e começou a fazer parte dos planos da Azzurra, apesar das súplicas do seu país de origem, Gana, que o chegou a convocar.

O ponto final no assunto foi dado por Mourinho: “Este rapaz perdeu a cabeça”. Os seus dias em Milão estavam contados, Mourinho e o resto da equipa fartaram-se das suas constantes provocações: Balotelli estava á venda. Foi então que apareceu o Manchester City. Zayed Al Nahyan, dono do clube, foi bem explicito: “Balotelli á venda? É nosso.” 28 milhões de euros.

Mario Balloteli viveu uma intensa relação com o seu treinador no Inter, José Mourinho. Este não hesitou em cataloga-lo de craque, sempre e quando “tivesse cabeça”. Mario tratou de a perder, prova disso foram os constantes episódios disparatados e grotescos… Quando foi detido pela polícia por disparar contra as pessoas com uma pistola de água enquanto conduzia o seu luxuoso Audi pelas ruas de Milão. Ou quando disse a Totti: “Avô, estás acabado”. Mourinho acabou por perder a paciência quando Balotelli foi a um programa de televisão do canal 5, propriedade de Berlusconi e vestiu uma camisola do eterno rival, inimigo do Inter. Todos sabiam que Balotelli era adepto rossonero, mas além de se ter excedido na televisão, mas decide “atirar mais lenha para a fogueira” quando Mourinho o confronta com os factos e este decide dedicar ao treinador uma canção, que mais não era que o hino… do Milan. Mourinho castiga-o, descartando-o da equipa e o Giuseppe Meazza aprova a decisão. Nas semanas seguintes aparecem cartazes chamando Balotelli de traídor. Um dia depois Mario decide atacar “Não penso pedir-lhe desculpa por nada que fiz ou disse”. Segue-se um comunicado do Inter onde se comunica que Balotelli está fora da equipa. Mario decide pedir desculpa: “Sou o primeiro a sofrer com esta situação. Adoro futebol e só quero jogar. Agora espero em silêncio até que possa voltar a ser útil á equipa”.

Mourinho decidiu reintegra-lo, sabendo mesmo assim, que tinha uma bomba-relógio no balneário que podia explodir a qualquer momento. O momento foi a meia-final da

Em Agosto de 2010, Prandelli decide chama-lo à selecção. Convocou-o num jogo decisivo para a qualificação para o Euro, contra as Ilhas Faroé. Balotelli foi suplente e enquanto os colegas de equipa se esforçavam para ganhar o jogo, Mario brincava com o seu recém comprado iPad no banco. Prandelli desvalorizou “Não é tão grave, estava a passar o tempo”.

Os conselhos da mãe voltaram a ser esquecidos. Quando recebeu o prémio Golden Boy declarou “Quem mais podia receber este prémio sem ser eu?” Foi então que surgiu o nome de Jack Wilshire (jovem jogador do Arsenal) e Balotelli rematou; “Jack… quem? Não conheço. Mas quando jogar contra o Arsenal vou assegurar-me que fico bem perto dele para que possa ver bem o prémio.” Com Balotelli, nunca se sabe ao certo se é verdade ou lenda, mas reza a história que aproximou-se de Wilshire e disse “Parabéns por participar”.

No campo as suas actuações são tão brilhantes como esporádicas, contudo ganhou o carinho dos adeptos do City que o consideram um “animal especial”. Esse carinho é retribuído com birras permanentes, sem motivo aparente. “Os adeptos devem saber que quando cantam a minha música me provocam um fogo interior. Por fora estou zangado, mas por dentro sorrio.” Sorrisos foram coisa que não arrancou a Mancini, vivem numa relação de amor e ódio desde que chegou. Ele confia na qualidade de Mario, mas não pode sentir a sua autoridade ameaçada “Todos os dias discuto com ele. Há momentos que me apetece bater- lhe” (Balotelli respondeu ao seu melhor estilo: “Cuidado que eu pratico Tahi-Boxing”.

Outro jogador já teria cedido e “entrado na linha”, mas Mario é diferente. Tem resposta para todos. Rooney que tinha marcado o golo do ano, teve que ouvir SuperMario “É um grande jogador de futebol, mas não é o melhor que vive em Manchester.” A Cristiano Ronaldo disse “A esse rapaz só lhe digo que posso jogar muito melhor que ele”.

Mancini cansou-se de o tentar mudar e aceitou-o tal como é. Passou de treinador a pai, psicologo e amigo e Balotelli reconhece-o “Mancini é superior a Mourinho, que dizia muitas coisas de mim porque não me podia controlar. Mancini está a fazer o que Mou

nunca fez. Discutimos mas apoia-me sempre”. O clube também sofre com as constantes palhaçadas de Mario. Uma vez começou a lançar dardos contra os juvenis durante um treino. O clube admitiu que foi Balotelli e o mesmo confessou que “estava aborrecido, não tinha nada para fazer”.

No início era divertido, mas começou a perder a graça quando decidiu acender fogo de artificio dentro da casa de banho sua mansão. Em poucos segundos a casa começou a arder e “Locatelli” e os seus amigos tiveram que fugir, assustados pelo incêndio. Depois de meia hora, dois corpos de bombeiros conseguiram domar o fogo. Durante os trabalhos, Mario entrou na casa para recuperar uma mala com dinheiro que tinha lá dentro. O melhor chegou quando um jornalista descobriu que o City tinha escolhido o avançado para fazer uma campanha publicitária…de prevenção contra os incendios. O jogador menos exemplar para passar uma mensagem ás crianças acabou por aparecer diante das camaras e com um sorriso exclamou “Não brinquem com fogos de artificio, pode ser muito perigoso… se não os utilizam de forma correcta”

Dias depois seria confundido com um ladrão quando tentava recuperar alguns electrodomésticos que estavam na casa. A confusão foi capa dos jornais sensacionalistas no dia seguinte. A semana acabou da melhor forma, Balotelli mostrou que é um extraordinário jogador e assinou uma excelente exibição frente ao eterno rival de Manchester. O resultado foi 1-6 e depois de marcar um golo, levanta a camisola e tinha uma frase esclarecedora: “Why always me?” (Porquê sempre eu?)

Os escândalos vão-se repetindo semana após semana: relações com a máfia, relacionamentos polémicos com actrizes porno e modelos, frases provocantes etc. Mario, no entanto, é um filantropo e colabora com várias instituições solidárias. Foi visto no Brasil a visitar cinco favelas, ajudou financeiramente a construir uma escola no Sudão (“agora estas crianças terão uma alternativa ás armas”, “adoptou” cerca de 50 crianças que, como ele, tinham o futuro pouco fácil. A sua obra de caridade mais conhecida, foi após ter saído de um casino com uma fortuna, decidiu oferecer mil libras a um mendigo que dormia na rua. Ou quando decidiu acompanha um miúdo que sofria bullying na escola e obrigou os colegas a pedir desculpa.

Amado ou odiado, Balotelli apareceu no futebol de forma repentina e estrondosa. É uma montanha russa de altos e baixos, de escândalos e golos. Pipo Rizzi, um dos melhores jornalistas italianos define-o assim: “um craque com uma infância complicada e uma cabeça cheia de fantasmas. Um talento com uma enorme paixão pela auto- destruição”. Guillem Balaguer, colaborador da Sky Sports acredita que Mario é “génio que só ele se entende. Um futebolista twit em 140 caracteres. Nunca se saberá até onde poderia chegar se só dedicasse ao futebol, porque nasceu zangado com o mundo. Mas tem um talento descomunal”.

Com o 45 nas costas e auto proclamado o principe do futebol, ainda esperamos pela explosão de Balotelli. Será neste Euro 2012?

 

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